Em 1500, o rei de
Portugal, D. Manuel I entregou a Pedro Álvares Cabral uma esquadra composta de
treze embarcações e aproximadamente mil e quinhentos homens que teriam a missão
de estabelecer comércio com as Índias. A expedição partiu de Portugal no dia 09
de março de 1500 e ao chegar no noroeste da África desviou a rota para o
sentido oeste. No dia 21 de abril os viajantes avistaram os primeiros sinais de
terra e um monte arredondado ao qual batizaram de Monte Pascoal.[1] Através de duas missas, rezadas pelo frei
Henrique de Coimbra, os portugueses tomaram posse “da nova terra” batizada Ilha
de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz e por fim, Brasil. Cabral deu a ordem
á Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota portuguesa, para que fosse redigida
uma carta dando a notícia do “achamento do Brasil” ao rei D. Manuel e narrando
as primeiras impressões sobre a terra encontrada, suas características naturais
e os primeiros contatos com os nativos. A famosa
carta de Caminha se tornou assim um valioso documento histórico sobre os
primeiros momentos dos portugueses no Brasil. No início de maio Cabral seguiu
viagem até as Índias. A conquista do território foi acompanhada pelo processo
de colonização que vamos estudar a seguir.
Trecho da Carta de Pero Vaz de
Caminha – primeiro documento oficial redigido no Brasil
(...)
avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram
os navios pequenos, por chegarem primeiro. Então lançamos fora os batéis e
esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor,
onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau
Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram
pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar
o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.
Eram
pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos
traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau
Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Ali
não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na
costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava
na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave,
compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e
outro deu-lhe um ramal (...) A pele deles é parda e um pouco avermelhada.
Têm rostos e narizes bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem se
preocupam em cobrir ou deixar de cobrir suas vergonhas mais do se que
preocupariam em mostrar o rosto. E a esse respeito são bastante inocentes.
Ambos traziam o lábio inferior furado e metido nele um osso verdadeiro, de
comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, fino na
ponta como um furador. (…) Os cabelos deles são lisos. E os usavam cortados e
raspados até acima das orelhas. E um deles trazia como uma cabeleira feita de
penas amarelas que lhe cobria toda a cabeça até a nuca (…).
Parece-me gente de
tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, eles se
tornaria, logo cristãos, visto que não aparentam ter nem conhecer crença
alguma. Portanto, se os degredados que vão ficar aqui aprenderem bem a sua fala
e só entenderem, não duvido que eles, de acordo com a santa intenção de Vossa
Alteza, se tornem cristãos e passem a crer na nossa santa fé. Isso há de
agradar a Nosso Senhor, porque certamente essa gente é boa e de bela
simplicidade. E poderá ser facilmente impressa neles qualquer marca que lhes
quiserem dar, já que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a
bons homens. E creio que não foi sem razão o fato de Ele nos ter trazido até
aqui. (...) até agora, não
pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem
lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados
como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como
os de lá. (...) Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que,
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o
melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente.
(...) Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia
de maio de 1500.[2]
OS POVOS NATIVOS
Estima-se
que quando os portugueses chegaram à América haviam cerca de 6 milhões de
pessoas vivendo no território do atual Brasil. Os povos que ocupavam o litoral,
de traços culturais semelhantes, passaram a ser chamados pelos colonizadores de
tupis.
Já as populações que viviam em regiões do interior do território foram chamadas
de tapuias.
Apesar dessa distinção feita pelos portugueses, os povos que habitavam o
território estavam organizados em diversos grupos que culturalmente eram
diferentes sendo que cada um tinha sua língua, seus costumes e rituais
religiosos, modo de trabalho e organização familiar e social. Tupis e Tapuias
viviam em constante disputa. Entre os tupis, que
foram os primeiros a fazer contato com os portugueses, tupiniquins, tupinambás,
tamoios, caetés, potiguaras e tabajaras normalmente são os mais citados. Tupinambás e tupiniquins eram os mais
poderosos e os primeiros teriam auxiliado os portugueses na conquista e
expansão pelo Brasil.
O
conhecimento que se tem sobre os tapuias é menor e muitas vezes distorcido.
Entre os tapuias, que nos primeiros anos de colonização praticamente não
tiveram contato com os portugueses, podemos citar os jês, os caraíbas e os
cariris. A diversidade cultural era maior entre os tapuias e sabe-se que
representaram maior resistência contra a invasão europeia.
A
caça, a coleta de frutos e raízes e a pesca eram a base do sustento dos povos
indígenas. Era comum a pratica de uma pequena agricultura de subsistência na
qual produziam ervilha, amendoim, ervilha, pimenta, milho e especialmente
mandioca. Alguns grupos domesticavam animais de pequeno
porte como, por exemplo, porco do mato e capivara. Não conheciam o cavalo, o
boi e a galinha. A relação de dependência que mantinham com a natureza muitas
vezes obrigava aldeias inteiras a migrar sempre que os recursos de alimentos se
esgotavam. Nesse momento, podia se notar solidariedade entre aldeias de uma
mesma tribo, mas também conflito com outras tribos quando havia disputa pelas
mesmas áreas. Várias circunstâncias podiam
provocar guerra entre os povos nativos. Historiadores acreditam que a maioria
delas eram provocadas por disputa territorial e alguns registros apontam a
existência da prática da antropofagia ou canibalismo entre grupos rivais. Obviamente
esse ritual era abominado pelos portugueses e tornou-se a principal
justificativa para escravização dos tupinambás e de outros povos.
Entre
os povos nativos não havia distinção de classes sociais. Todos na aldeia tinham os mesmos direitos e a
terra pertencia a todos. Aparentemente, na maioria das etnias a vida era
comunitária. Apenas os instrumentos de trabalho, como machados, arcos e
flechas, por exemplo, eram de propriedade individual. O trabalho na tribo era realizado
por todos e dividido por sexo e idade. As mulheres eram responsáveis pela
comida, pelas crianças, pela colheita e pelo plantio. Já os homens eram
encarregados pela caça, pela pesca, pela guerra e pela derrubada das árvores. O
trabalho visava apenas suprir as necessidades de subsistência de cada aldeia ou
tribo, ou seja, não havia a preocupação em acumular bens.
Na
sociedade indígena se destacavam o pajé,
que era o sacerdote e responsável pelos rituais e por curar as doenças, e o cacique, que era líder maior da tribo.
Nas sociedades indígenas também havia diferença na formação e nas relações
familiares. Em alguns casos predominava a monogamia (homem se casa com uma
mulher) e em outras era comum a poligamia (o homem se casa com várias
mulheres). Em algumas tribos os maridos podiam até mesmo usar a esposas como
moeda de troca.
Os primeiros contatos entre portugueses e nativos
e a exploração de Pau-Brasil
As diferenças culturais entre
portugueses e indígenas eram enormes. Na visão dos portugueses, as populações
encontradas na “terra descoberta” eram inferiores e por isso precisavam ser
conduzidas para ter o mesmo padrão de vida deles. Isso significava respeitar a
autoridade do rei, falar o mesmo idioma, ter os mesmos costumes e serem
convertidos ao cristianismo. Tem início nesse momento o que alguns estudiosos
chamam de europeização[3] dos povos nativos da
terra.
Com essa
ideologia, os portugueses afirmavam ter a “missão de civilizar” povos que em sua visão eram “atrasado
culturalmente”. O modo de vida, as relações familiares, os costumes e tradições
dos povos indígenas foram sendo bruscamente alterados. Os conflitos entre
indígenas e portugueses se estenderam por praticamente todo o período colonial.
O primeiro produto a ser explorado pelos portugueses foi o pau-brasil. Mais
tarde, com a introdução das lavouras de cana-de açúcar para se obter maiores
lucros sobre a terra, os indígenas começaram a ser vistos com um obstáculo à
ocupação e passaram a ser combatidos pelos colonizadores portugueses.
Após as primeiras
expedições enviadas pela Coroa portuguesa, os portugueses perceberam que a
terra, ao contrário do que acreditavam, não daria lucros fáceis e imediatos.
Não encontraram ouro, especiarias mais valiosas e nem artigos de luxos que
poderiam ser vendidos na Europa por altos valores. Além disso, devemos
considerar que o desconhecido muitas vezes poderia representar grande perigo.
A fim de não
deixar o Brasil totalmente abandonado, Portugal iniciou a exploração de
vários produtos naturais da colônia: madeira, algumas especiarias, sementes,
ervas medicinais e até mesmo alguns animais. De todos os produtos naturais, o
que mais significado teve foi o pau-brasil. Contudo, sua exploração não
representou atividade marcante na história da colônia, já que não
provocou a colonização da terra, nem a fixação de povoamentos. Sua
procura se deve ao fato de se extrair
dele um corante de cor vermelha, muito usado na Europa no tingimento de
tecidos.
A exploração
desse produto era rudimentar e predatória. A madeira era cortada pelos índios e
empilhada nas praias em grandes armazéns e os navios que aqui chegavam
levavam-na para a Europa. As florestas litorâneas de pau-brasil se
estendiam do Rio Grande do Norte ao Rio de Janeiro, sendo que Pernambuco, Porto
Seguro e Cabo Frio eram as regiões de maior concentração do produto. O
pau-brasil só podia ser explorado com a autorização do rei de Portugal que
concedia esse direito a grandes comerciantes ou aventureiros e, em troca,
ficava com parte dos lucros.
A maior parte dos
produtos da terra, em especial o pau-brasil, eram obtidos através do escambo[4],
prática comercial que predominou nas primeiras relações entre nativos e
portugueses. Por esse sistema, em troca de trabalho e de mercadorias os
portugueses ofereciam aos indígenas espelhos, colares, cordas, facas e outros
objetos.
O Período Pré-Colonial (1500 – 1530)
Como os lucros
obtidos inicialmente não foram os esperados pelo governo de Portugal, entre
1500 e 1530 foram poucas as expedições enviadas pelo governo e tinham
basicamente o objetivo de explorar a terra e garantir a sua posse. Era preciso primeiro conhecer a nova terra
para daí sim decidir se valeria a pena colonizá-la ou não. Assim, durante os
primeiros trinta anos dos portugueses no Brasil, o chamado período
pré-colonial, o território serviu apenas como um posto de abastecimento de bens
de primeira necessidade, de reparos de embarcações que iam para o Oriente e de
carregamento de pau-brasil. A prioridade comercial de Portugal ainda era nas
Índias. As expedições enviadas podiam ser classificadas em exploradoras e
guarda-costas.
As primeiras
expedições portuguesas para o Brasil tinham por finalidade reconhecer o litoral
da nova terra, sendo, por isso, denominadas expedições
exploradoras. Entre 1501 e 1504 duas foram enviadas para a América. A
primeira foi comandada por Gaspar de Lemos e
teve a participação do experiente navegador Américo Vespúcio. Nessa expedição
foi verificada a existência de grande quantidade de pau-brasil, nomeados os
acidentes geográficos que foram encontrados conforme o santo de cada dia e
elaborado um mapa do litoral brasileiro. A segunda expedição partiu de Portugal
em junho de 1503, era comandada por Gonçalo Coelho e também contou com a presença de
Américo Vespúcio. Essa expedição já se tinha o objetivo de fazer o primeiro
carregamento de pau-brasil. A notícia sobre a grande da valiosa madeira atraiu
especialmente holandeses e franceses para a América. Pela constante presença de
contrabandistas, o governo de Portugal percebeu a urgente necessidade de
proteger militarmente o território.
A partir desse
momento a Coroa portuguesa passou a organizar as chamadas expedições “guarda-costas” com o objetivo de
proteger o território e expulsar piratas. A primeira delas ocorreu em 1516 e a
segunda em 1526. Ambas foram comandadas por Cristóvão Jacques. Especialmente pela extensão do
litoral, as duas expedições mostraram-se insuficientes para combater o
contrabando e a constante ameaça de ocupação estrangeira.
A exploração do pau-brasil
não exigia, como foi dito, a fixação dos portugueses na América e desse modo
não ocorreu o desenvolvimento de povoados. Até 1532 a única presença marcante
de Portugal na “nova terra” foram as chamadas feitorias, fortificações
estabelecidas em pontos do litoral e que serviam para a defesa e armazenamento
de pau-brasil e de outras mercadorias que seriam transportadas para a Europa.
Essas feitorias eram chefiadas por um feitor que contava com auxílio de um
escrivão que registrava tudo o que era embarcado. A
primeira feitoria no Brasil foi fundada em 1504 por Américo Vespúcio.
A DECISÃO DE COLONIZAR O TERRITÓRIO
A decisão de Portugal colonizar o território só foi tomada a partir de
1530 quando o rei, D. João III, resolveu enviar para o Brasil a expedição de
Martin Afonso de Souza com o objetivo de implantar o que ficou conhecido como
sistema colonial. Essa decisão foi resultado de alguns fatores principais. O
declínio do comércio nas Índias, provocado pela crescente concorrência de
holandeses, franceses e ingleses, pode ser apontado como uma das causas. Com
o lucro decaindo no Oriente, seria preciso aumentar as fontes de riquezas na
América. Outro fator foi a grande extensão do território, o que dificultava,
logicamente, sua proteção. Os portugueses temiam perder a posse da terra devido
a constante presença de estrangeiros contrabandistas e perceberam que a melhor
maneira de protegê-la seria promovendo seu povoamento.
Junto com a preocupação com a posse da terra estava o desejo de obter
maiores lucros e nesse sentido podemos apontar mais dois motivos para o início
da colonização. A notícia de que espanhóis haviam encontrado metais preciosos
em sua parte do território dividido na América aumentou as esperanças e o
interesse de Portugal pela terra. Além desses fatores, sabiam agora os
portugueses que havia no Brasil, especialmente na região nordeste, clima e solo
favoráveis para a produção de açúcar, produto de grande valor na Europa.
O início da colonização
Em dezembro de
1530 partiu de Lisboa, comandada por Martin Afonso de Souza, uma
expedição com cinco navios e uma tripulação de cerca de 400 pessoas. A
expedição tinha vários objetivos. O primeiro e principal deles era iniciar a
colonização do Brasil, ou seja, a ocupação da terra por portugueses. Além
disso, Martin Afonso de Souza, que
chegou trazendo homens, ferramentas, sementes e animais domésticos, tinha a
tarefa de combater os estrangeiros, procurar ouro, organizar a exploração das
riquezas e fazer o reconhecimento do litoral.
Apesar da
exploração do pau-brasil proporcionar bons lucros, era necessário passar de uma
fase de exploração predatória da madeira para uma fase de produção. Em janeiro de 1532 foi fundada a primeira
vila do Brasil, São Vicente. Alguns povoados, como Santo André da Borda do
Campo e Santo Amaro, foram fundados no mesmo período. Como ainda veremos, o
início da colonização do Brasil foi marcado pela produção de açucareira. Foi na região de São Vicente que os primeiros
colonos iniciaram o plantio de cana-de-açúcar e onde foi instalado o primeiro
engenho. Demorou muito tempo até que o colonizador fizesse o reconhecimento de
toda a costa e, mais ainda, do interior do território.
A instalação do
sistema colonial no Brasil tinha a lógica de extrair o máximo possível e
garantir assim grande lucratividade. Porém, para executar seu projeto na
América Portugal vai ter dois problemas: a grande extensão do território e
especialmente a falta de recursos financeiros. A solução tentada pelo governo
português foi a implantação do sistema de capitanias
hereditárias.
As
capitanias hereditárias
Nos primeiros anos
os portugueses limitaram-se a explorar e a manter o monopólio sobre o
pau-brasil. A partir de 1534 o rei D. João III resolveu investir
em novas fontes de riqueza em seu território na América. Porém, para aumentar
seu rendimento na “nova terra” teriam que povoá-la, o que exigia elevados
investimentos. Na época, Portugal passava por grave crise financeira, não tinha
condições de pagar suas dívidas e para piorar, a capital, Lisboa, precisava ser
reconstruída após ser arruinada por um terremoto em 1531.
Sem recursos próprios para
implantar em sua colônia um sistema administrativo, Portugal optou por
transferir o custo da colonização a particulares que tivessem interesse. O
sistema adotado como principal instrumento para colonizar a terra consistia em
dividi-la em grandes lotes de terra, chamadas de capitânias hereditárias. As
capitanias seriam implantadas principalmente como meio de consolidar a presença
portuguesa e esse sistema já havia sido adotado com sucesso nas ilhas que
Portugal controlava no Atlântico, como Madeira e Cabo Verde. A experiência dos
portugueses com a lavoura de cana-de-açúcar também vinha dessas ilhas. Na época
da divisão, as terras eram quase totalmente desconhecidas e haviam apenas três
feitorias e alguns povoados.
Entre 1534 e
1536, as terras portuguesas na América foram divididas em quinze faixas que se
estendiam do litoral até a linha do Tratado de Tordesilhas.[5]
Cada uma dessas faixas – chamadas de capitanias hereditárias – foi doada a um
capitão donatário, normalmente um nobre leal ao rei. Apesar de o rei falar em doação, os donatários
não eram proprietários das capitanias, portanto, não podiam vendê-las ou mesmo
repassá-las. O que o governo transferia a eles era o direito de exercer o poder
administrativo no território colonial e explorar economicamente a terra. O donatário passaria a ser a autoridade máxima
dentro de sua capitania, tendo a responsabilidade de desenvolvê-la com seus
recursos. Com a sua morte, a administração passaria para seus herdeiros.
Essa doação se
dava por meio de dois documentos: a carta
de doação e a carta foral.
A carta de doação concedia o lote ao
donatário e lhe garantia total autoridade sobre a capitânia. A coroa, em
casos especiais, tinha o direito de retomá-la, por meio de indenização ou
confisco. Já a carta foral determinava
os direitos e os deveres dos donatários. As capitanias funcionavam como vários
governos autônomos, em que cada donatário representava a autoridade máxima,
devendo a obediência apenas a Coroa. Porém, além de uma série de direitos sobre
a terra vão ter também várias obrigações.
Os capitães
donatários tinham o direito de: criar vilas e distribuir sesmarias (lotes de
terra) a quem tivesse interesse e condições de cultivá-las, administrar e fazer
a justiça na capitânia, podendo inclusive aplicar a pena de morte desde que
houvesse a aprovação do rei, cobrar impostos, escravizar indígenas que
resistissem a ocupação[6],
enviar até trinta nativos escravizados por ano a Portugal, receber 5% dos
lucros obtidos sobre a exploração de pau-brasil. Por outro lado, o capitão
donatário tinha o compromisso de: proteger
militarmente o território impedindo a ação de piratas e a ocupação por
estrangeiros, promover o desenvolvimento econômico da capitânia especialmente
através da produção de cana de açúcar, colaborar com a expansão da fé cristã,
transferir para o rei de Portugal 10% dos lucros obtidos sobre qualquer produto
retirado da terra e 20% dos lucros sobre metais preciosos que fossem
encontrados e garantir que o monopólio comercial sobre o pau-brasil, que
pertencia a coroa portuguesa, fosse respeitado.
O FRACASSO DAS CAPITANIAS:
O sistema de
capitanias não teve o sucesso econômico esperado pelo governo de Portugal.
Inicialmente apenas as capitanias de Pernambuco
e São Vicente prosperaram.
Posteriormente, a Bahia também
se desenvolveu graças à produção de cana de açúcar. Muitas razões explicam o fracasso das
capitanias:
- A grande extensão territorial das capitanias
tornava difícil a exploração. Os investimentos eram todos feitos pelos
donatários e muitas vezes o lucro não compensava. Alguns donatários foram
perdendo o interesse pelas e outros nem mesmo tomaram posse.
- Grupos indígenas não aceitavam a colonização e
passaram a se defender da invasão de suas terras e da escravidão.
- As enormes distâncias entre as capitânias,
precárias condições de transporte e dificuldades de comunicação com Portugal.
- Em algumas capitanias o solo não favorecia o
plantio de cana-de-açúcar.
- Desentendimentos entre o governo português e
donatários que não aceitavam cumprir deveres e se sentiam prejudicados na
divisão dos lucros. Muitos deles desistiram das terras e voltaram para a
Europa.
O GOVERNO-GERAL
Apesar do
insucesso e das dificuldades, o sistema de capitanias foi importante por dar
início a colonização e para conservar a posse do território. Além disso, nas
capitanias se formaram os primeiros núcleos de povoamento como São Vicente,
Santos, Porto Seguro, Ilhéus e Olinda. Com o fracasso da grande maioria das
capitanias o governo de Portugal buscou novas alternativas para administrar sua
colônia na América. Procurando aumentar seu controle sobre o Brasil, o governo
português estabeleceu em 1547 em 1547 o governo-geral,
ou seja, um centro político na América portuguesa. O governador geral era como
se fosse um representante direto do rei na colônia e deveria servir de apoio ao
desenvolvimento das capitanias.
Os donatários, que antes deviam obediência
somente e diretamente ao rei, deveriam agora respeitar os poderes e decisões do
governador geral. De modo geral, o
governador-geral deveria defender a terra contra ataques estrangeiros,
incentivar a busca por metais preciosos, converter indígenas ao catolicismo e
lutar contra aqueles que ainda resistissem a presença portuguesa. Para cumprir com suas obrigações o
governador-geral contava com o apoio de auxiliares, como o ouvidor-mor, encarregado da justiça, o provedor-mor, responsável por controlar os
gastos administrativos, e o capitão-mor,
que tinha o compromisso de proteger militarmente a colônia.
Para instalar a sede do governo geral, a Coroa escolheu a capitania da
Bahia por estar situada em um ponto central da costa, o que poderia facilitar a
comunicação com as demais capitanias. Na Bahia foi erguida, num terreno elevado
e próximo ao mar, a cidade de Salvador,
primeira capital do Brasil. A existência de um governo-geral e centralizado no
Brasil não significou a extinção das capitânias. Somente em 1759, quando as
últimas capitanias deixaram de existir, é que a colônia passou a ser
administrada por representantes da Coroa portuguesa. Os três primeiros
governadores-gerais do Brasil foram: Tomé de Souza, Duarte da Costa e Mem de
Sá.
Tomé de Souza (1549 –
1553)
O primeiro
governador-geral escolhido foi o militar e político português, Tomé de Souza.
Logo em seu primeiro ano no Brasil fundou a cidade de Salvador, centro do
governo, e proporcionou o grande desenvolvimento da agricultura e da pecuária.
Tendo o dever de proteger militarmente o território contra invasões de piratas
estrangeiros, distribuiu armas e munições aos colonos e ordenou a construção de
várias fortalezas em pontos estratégicos. Além de soldados e colonos, nessa
época também vieram para o Brasil os primeiros padres jesuítas, que, liderados por
Manuel da Nóbrega, teriam a missão de
catequizar os indígenas e converte-los ao catolicismo. Foram os jesuítas que
criaram o primeiro colégio no Brasil. No governo de Tomé de Souza ainda foram
dados incentivos ao cultivo de cana-de-açúcar e organizaram-se as primeiras
expedições que tinham o objetivo de descobrir metais preciosos.
Duarte da Costa (1553 –
1557)
Duarte da Costa foi o segundo governador geral do Brasil e teve que
enfrentar sérias dificuldades. Veio acompanhado por um grupo de padres
jesuítas, com destaque maior para José de Anchieta. Em 1554, José de
Anchieta e Nóbrega fundaram o Colégio de São Paulo, junto ao qual surgiu a vila
que deu origem a cidade de São Paulo. O governo de Duarte da Costa foi marcado
pela invasão do Rio de Janeiro pelos franceses, que ali fundaram um povoamento
chamado de França Antártica. O conflito contra os franceses foi de extrema
dificuldade, pois os invasores contavam com apoio de indígenas que lutavam
contra a presença dos portugueses. Pela falta de escravos africanos a serem
empregados nas lavouras de cana-de-açúcar, esse governo organizou tropas para
combater tribos indígenas que se negavam a ceder territórios para os
colonizadores entrando assim em desentendimento com os jesuítas.
A presença dos franceses no Brasil
Desde o início
da presença portuguesa na América as terras do Brasil despertaram interesse de
outros países europeus. A França foi o primeiro a contestar a validade do
Tratado de Tordesilhas que dividia o continente americano entre Portugal e
Espanha. Articulando acordos e alianças com os povos indígenas os franceses
garantiam sua presença no território.
A presença
francesa se tornou mais constante a partir de 1555 quando fundaram, na baía de
Guanabara (atual Rio de Janeiro), a chamada França
Antártica. O principal povo indígena que colaborou com os
franceses foram os tamoios e a através de um acordo surgiu a Confederação dos Tamoios, aliança entre
diversos povos nativos e que tinha o objetivo de derrotar os colonizadores
portugueses.
Somente em 1567
os portugueses conseguiram derrotar a Confederação. Apesar de serem expulsos do
litoral brasileiro, os franceses insistiram em ocupar parte da colônia
portuguesa na América e em 1612 estabeleceram uma nova fixação dessa vez na
região nordeste onde fundaram, em São Luís (atual capital do Maranhão) a
chamada França Equinocial. Portugal
outra vez teve que reagir a nova tentativa dos franceses desenvolverem
povoamento no Brasil. Uma expedição militar foi organizada e em 1615 os
franceses foram novamente derrotados retirando-se da região para fundarem mais
ao norte uma colônia, a Guiana Francesa. Após isso, os franceses continuaram
representando ameaça através dos corsários (piratas) que atuavam em várias
regiões do litoral.
Mem de Sá (1558 – 1572)
Após o governo de Tomé de Souza, Portugal deparava-se com um grave
problema no Rio de Janeiro. A invasão dos franceses e sua aliança com os índios
da região representava uma série ameaça ao domínio português. A principal
realização do terceiro governador-geral do Brasil foi justamente a expulsão dos
franceses do território. Mem de Sá assumiu o governo da colônia em 1558 e
governou por quinze anos. Embora esse período tenha sido marcado por problemas
como a fome e a varíola na Bahia, seu governo foi marcado por uma relativa prosperidade
e pela intensificação do trabalho dos jesuítas e da catequização dos nativos.
Estácio de Sá, sobrinho do governador, fundou em 1565 a cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro. Em 1572 Mem de Sá resolveu deixar o posto de governador
geral e voltou para Portugal. Faleceu no mesmo ano.
Com o
crescimento da colônia e desenvolvimento das primeiras vilas e cidades, foi
necessária a criação de outros mecanismos de administração. Assim surgiram as câmaras municipais, que desempenharam
importante papel durante o período de colonização. As câmaras municipais eram
órgãos da administração local, se estruturaram nas vilas mais importantes e
eram formadas por três ou quatro vereadores escolhidos entre os chamados
“homens bons”, isto é, brancos nascidos na comunidade, ricos senhores de
escravos e grandes proprietários de terra. As câmaras municipais estavam
encarregadas de organizar e fiscalizar as feiras de comércio e construir e
manter estradas, pontes e calçamentos. Além disso, era responsável pela limpeza
da cidade e tinha o poder de decidir sobre impostos e de combater indígenas que
não aceitavam a dominação portuguesa.
O
governador-geral deveria visitar as capitânias e ter um controle sobre toda a
colônia. Porém, nem sempre os capitães donatários e as câmaras municipais
respeitavam a autoridade do governador. A adoção de um governo-geral e
centralizado na colônia trouxe bons resultados. Novas cidades foram fundadas, o
território foi mais bem ocupado e a produção econômica aumentou. O sistema de
governo-geral funcionou no Brasil até 1808, ano em que a família real
portuguesa se transferiu para a América.
O PACTO COLONIAL: o comércio entre Portugal e a colônia
Os europeus
adotavam várias estratégias econômicas conhecidas como mercantilistas. Mediam
a riqueza de acordo com a quantidade de ouro e prata que possuíssem e por essa
lógica um país para ser rico e poderoso deveria acumular a maior quantidade
possível de metais preciosos. Para isso, os governos procuravam manter sempre
uma balança comercial favorável, ou seja, exportar mais do que importar.
Ao tomar posse e
iniciar a colonização do território conquistado na América, Portugal tinha um
objetivo bem definido: tirar da “nova terra” tudo aquilo que tivesse grande
valor na Europa e pudesse garantir o maior lucro possível. Para isso, o governo
português estabeleceu regras bem claras para as relações econômicas entre a
metrópole, Portugal, e a colônia,
Brasil. A colônia deveria produzir
gêneros tropicais (açúcar, tabaco, algodão) e extrair as riquezas naturais,
especialmente ouro e prata, e era obrigada a comprar da metrópole produtos
manufaturados, como ferramentas para o trabalho, tecidos, utensílios domésticos
e até alimentos. Dessa maneira se estabelecia entre metrópole e colônia o
chamado “pacto colonial”, pelo qual a colônia só produzia aquilo que era
de interesse e autorizado por Portugal e era também obrigada a estabelecer
comércio somente com Portugal.
Essa relação
obviamente era sempre favorável a Portugal, que pagava um valor reduzido por
produtos que revendia na Europa por valores elevados e tinha garantido um
mercado consumidor de seus produtos manufaturados. Por essa lógica, tudo aquilo
que pudesse representar o desenvolvimento da colônia, como a instalação de fábricas
ou a circulação de jornais, por exemplo, era proibido. Somente em 1808 o pacto colonial foi
quebrado. Por mais de trezentos anos a
colônia atendeu aos interesses econômicos da metrópole, sendo para Portugal uma
verdadeira “galinha dos ovos de ouro”.
Questões:
1) Entre 1500 e 1530
os portugueses enviaram para o Brasil dois tipos de expedições. Que expedições
eram essas e que objetivos tinham?
2)
A primeira riqueza explorada pelos portugueses na América foi o pau-brasil. Responda:
a) Por que o comércio de pau-brasil era tão lucrativo?
b) Qual foi o papel desempenhado pelos indígenas nesse comércio?
c) O que eram e que importância tinham as feitorias criadas a partir da exploração do pau-brasil?
3)
Como funcionaram as
primeiras relações comerciais entre portugueses e indígenas? Explique.
4) A partir de 1530 o governo de Portugal resolveu iniciar a
colonização da terra “descoberta” na América. Quais são os fatores que levaram
o governo português a tomar essa decisão?
5)
Em 1530 o rei de
Portugal enviou para o Brasil uma expedição comandada por Martin Afonso de
Souza. Quais eram os principais
objetivos da expedição de Martin Afonso de Souza?
6)
Qual foi o sistema
adotado pelo rei de Portugal, D. João III, no início da colonização do Brasil?
Porque tomou essa decisão e de que modo funcionava?
7)
A maioria das
capitânias hereditárias não corresponderam as expectativas do governo português
e acabaram fracassando. Porque motivos isso ocorreu? Quais são as duas que
tiveram sucesso?
8)
Diga quem eram os
capitães donatários e relacione alguns de seus direitos e alguns de seus
deveres.
9) Por que o rei de
Portugal decidiu criar no Brasil o sistema de Governo Geral? Qual seria a
função do governo geral? Quais foram os três primeiros governadores?
10) Quais eram os três
auxiliares mais importantes do governador-geral? Quais eras as suas funções?
11) Qual era a função das Câmaras Municipais? Como eram formadas
essas Câmaras?
13) Como era a relação entre a Igreja Católica e a coroa portuguesa
durante o período colonial?
14) A relação comercial entre a metrópole e a colonial durante todo
o período colonial se deu através do chamado “Pacto Colonial”. Com suas
palavras, explique como funcionava esse “pacto” e aponte os prejuízos que a
colônia tinha.
[1] Existe ainda hoje uma grande
discussão a respeito da chegada dos portugueses ao Brasil. Apesar de alguns
afirmarem que foi um erro de percurso da frota de Cabral, existem indícios que
mostram o contrário. Vale lembrar que os espanhóis haviam chegado à América em
1492 e que, portanto, poderia sim existir em Portugal o plano de se encontrar o
“novo mundo”. A assinatura do Tratado de Tordesilhas também indica a
possibilidade de os portugueses já terem algum conhecimento sobre terras ainda
desconhecidas pelos europeus.
[2] A Carta de Pero Vaz de Caminha mostra bem o
deslumbramento que os europeus tiveram ao chegar na América ou no chamado por
eles, Novo Mundo. Na carta, o escritor narra alguns dos aspectos físicos da
terra, descreve como os portugueses desembarcaram na praia, a primeira missa
que foi feita e ainda os primeiros contato dos portugueses com os índios.
Recentemente a UNESCO inscreveu Carta de Pero Vaz de Caminha no Programa de
Memória do Mundo. Este programa foi criado com o objetivo de reconhecer
documentos considerados verdadeiros patrimônios em âmbito nacional,
internacional e regional, facilitando assim a preservação e o acesso a diversos
documentos da história do mundo.
[3] Ato ou efeito de
europeizar.
[4] Escambo se refere a troca de produtos sem envolver
moeda. Atualmente, como a economia baseada em
moedas, o escambo é pouco utilizado. Sobrevive ainda apenas em regiões pouco
desenvolvidas do mundo.
[5] As capitanias eram enormes, com
largura entre 200 e
[6] Durante boa
parte do período colonial ocorreram desavenças entre colonos que desejavam escravizar o indígena e padre jesuítas que
desejavam catequiza-lo. Em 1570, sofrendo pressão das autoridades católicas, o
governo português proibiu a captura de índios por meio de uma Carta Régia.
Portugal proibiu a captura de índios por meio de uma Carta Régia emitida no ano
de 1570. Segundo esse documento, os índios só poderiam ser presos e
escravizados em situação de guerra justa. Ou seja, somente os índios que se
voltassem contra os colonizadores estariam sujeitos à condição de escravos.
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