"O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente (Mário Quintana)

A chegada dos portugueses e a colonização do Brasil

 

Em 1500, o rei de Portugal, D. Manuel I entregou a Pedro Álvares Cabral uma esquadra composta de treze embarcações e aproximadamente mil e quinhentos homens que teriam a missão de estabelecer comércio com as Índias. A expedição partiu de Portugal no dia 09 de março de 1500 e ao chegar no noroeste da África desviou a rota para o sentido oeste. No dia 21 de abril os viajantes avistaram os primeiros sinais de terra e um monte arredondado ao qual batizaram de Monte Pascoal.[1]  Através de duas missas, rezadas pelo frei Henrique de Coimbra, os portugueses tomaram posse “da nova terra” batizada Ilha de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz e por fim, Brasil. Cabral deu a ordem á Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota portuguesa, para que fosse redigida uma carta dando a notícia do “achamento do Brasil” ao rei D. Manuel e narrando as primeiras impressões sobre a terra encontrada, suas características naturais e os primeiros contatos com os nativos. A famosa carta de Caminha se tornou assim um valioso documento histórico sobre os primeiros momentos dos portugueses no Brasil. No início de maio Cabral seguiu viagem até as Índias. A conquista do território foi acompanhada pelo processo de colonização que vamos estudar a seguir.

 

Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha – primeiro documento oficial redigido no Brasil

(...) avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro. Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.

Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal (...)  A pele deles é parda e um pouco avermelhada. Têm rostos e narizes bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem se preocupam em cobrir ou deixar de cobrir suas vergonhas mais do se que preocupariam em mostrar o rosto. E a esse respeito são bastante inocentes. Ambos traziam o lábio inferior furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, fino na ponta como um furador. (…) Os cabelos deles são lisos. E os usavam cortados e raspados até acima das orelhas. E um deles trazia como uma cabeleira feita de penas amarelas que lhe cobria toda a cabeça até a nuca (…).

 Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, eles se tornaria, logo cristãos, visto que não aparentam ter nem conhecer crença alguma. Portanto, se os degredados que vão ficar aqui aprenderem bem a sua fala e só entenderem, não duvido que eles, de acordo com a santa intenção de Vossa Alteza, se tornem cristãos e passem a crer na nossa santa fé. Isso há de agradar a Nosso Senhor, porque certamente essa gente é boa e de bela simplicidade. E poderá ser facilmente impressa neles qualquer marca que lhes quiserem dar, já que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens. E creio que não foi sem razão o fato de Ele nos ter trazido até aqui. (...)  até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. (...) Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. (...)  Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.[2]

 

OS POVOS NATIVOS

 

Estima-se que quando os portugueses chegaram à América haviam cerca de 6 milhões de pessoas vivendo no território do atual Brasil. Os povos que ocupavam o litoral, de traços culturais semelhantes, passaram a ser chamados pelos colonizadores de tupis. Já as populações que viviam em regiões do interior do território foram chamadas de tapuias. Apesar dessa distinção feita pelos portugueses, os povos que habitavam o território estavam organizados em diversos grupos que culturalmente eram diferentes sendo que cada um tinha sua língua, seus costumes e rituais religiosos, modo de trabalho e organização familiar e social. Tupis e Tapuias viviam em constante disputa. Entre os tupis, que foram os primeiros a fazer contato com os portugueses, tupiniquins, tupinambás, tamoios, caetés, potiguaras e tabajaras normalmente são os mais citados.  Tupinambás e tupiniquins eram os mais poderosos e os primeiros teriam auxiliado os portugueses na conquista e expansão pelo Brasil.

O conhecimento que se tem sobre os tapuias é menor e muitas vezes distorcido. Entre os tapuias, que nos primeiros anos de colonização praticamente não tiveram contato com os portugueses, podemos citar os jês, os caraíbas e os cariris. A diversidade cultural era maior entre os tapuias e sabe-se que representaram maior resistência contra a invasão europeia. 

A caça, a coleta de frutos e raízes e a pesca eram a base do sustento dos povos indígenas. Era comum a pratica de uma pequena agricultura de subsistência na qual produziam ervilha, amendoim, ervilha, pimenta, milho e especialmente mandioca. Alguns grupos domesticavam animais de pequeno porte como, por exemplo, porco do mato e capivara. Não conheciam o cavalo, o boi e a galinha. A relação de dependência que mantinham com a natureza muitas vezes obrigava aldeias inteiras a migrar sempre que os recursos de alimentos se esgotavam. Nesse momento, podia se notar solidariedade entre aldeias de uma mesma tribo, mas também conflito com outras tribos quando havia disputa pelas mesmas áreas. Várias circunstâncias podiam provocar guerra entre os povos nativos. Historiadores acreditam que a maioria delas eram provocadas por disputa territorial e alguns registros apontam a existência da prática da antropofagia ou canibalismo entre grupos rivais. Obviamente esse ritual era abominado pelos portugueses e tornou-se a principal justificativa para escravização dos tupinambás e de outros povos.

Entre os povos nativos não havia distinção de classes sociais.  Todos na aldeia tinham os mesmos direitos e a terra pertencia a todos. Aparentemente, na maioria das etnias a vida era comunitária. Apenas os instrumentos de trabalho, como machados, arcos e flechas, por exemplo, eram de propriedade individual. O trabalho na tribo era realizado por todos e dividido por sexo e idade. As mulheres eram responsáveis pela comida, pelas crianças, pela colheita e pelo plantio. Já os homens eram encarregados pela caça, pela pesca, pela guerra e pela derrubada das árvores. O trabalho visava apenas suprir as necessidades de subsistência de cada aldeia ou tribo, ou seja, não havia a preocupação em acumular bens.

Na sociedade indígena se destacavam o pajé, que era o sacerdote e responsável pelos rituais e por curar as doenças, e o cacique, que era líder maior da tribo. Nas sociedades indígenas também havia diferença na formação e nas relações familiares. Em alguns casos predominava a monogamia (homem se casa com uma mulher) e em outras era comum a poligamia (o homem se casa com várias mulheres). Em algumas tribos os maridos podiam até mesmo usar a esposas como moeda de troca.

 

Os primeiros contatos entre portugueses e nativos

e a exploração de Pau-Brasil

 

As diferenças culturais entre portugueses e indígenas eram enormes. Na visão dos portugueses, as populações encontradas na “terra descoberta” eram inferiores e por isso precisavam ser conduzidas para ter o mesmo padrão de vida deles. Isso significava respeitar a autoridade do rei, falar o mesmo idioma, ter os mesmos costumes e serem convertidos ao cristianismo. Tem início nesse momento o que alguns estudiosos chamam de europeização[3] dos povos nativos da terra.

Com essa ideologia, os portugueses afirmavam ter a “missão de civilizar”  povos que em sua visão eram “atrasado culturalmente”. O modo de vida, as relações familiares, os costumes e tradições dos povos indígenas foram sendo bruscamente alterados. Os conflitos entre indígenas e portugueses se estenderam por praticamente todo o período colonial. O primeiro produto a ser explorado pelos portugueses foi o pau-brasil. Mais tarde, com a introdução das lavouras de cana-de açúcar para se obter maiores lucros sobre a terra, os indígenas começaram a ser vistos com um obstáculo à ocupação e passaram a ser combatidos pelos colonizadores portugueses.

Após as primeiras expedições enviadas pela Coroa portuguesa, os portugueses perceberam que a terra, ao contrário do que acreditavam, não daria lucros fáceis e imediatos. Não encontraram ouro, especiarias mais valiosas e nem artigos de luxos que poderiam ser vendidos na Europa por altos valores. Além disso, devemos considerar que o desconhecido muitas vezes poderia representar grande perigo.

A fim de não deixar o Brasil totalmente abandonado, Portugal  iniciou a exploração de vários produtos naturais da colônia: madeira, algumas especiarias, sementes, ervas medicinais e até mesmo alguns animais. De todos os produtos naturais, o que mais significado teve foi o pau-brasil. Contudo, sua exploração não representou atividade  marcante na história da colônia, já que não provocou a colonização da terra, nem a  fixação de povoamentos. Sua procura se deve ao fato de se  extrair dele um corante de cor vermelha, muito usado na Europa no tingimento de tecidos.

A exploração desse produto era rudimentar e predatória. A madeira era cortada pelos índios e empilhada nas praias em grandes armazéns e os navios que aqui chegavam levavam-na  para a Europa. As florestas litorâneas de pau-brasil se estendiam do Rio Grande do Norte ao Rio de Janeiro, sendo que Pernambuco, Porto Seguro e Cabo Frio eram as regiões de maior  concentração do produto. O pau-brasil só podia ser explorado com a autorização do rei de Portugal que concedia esse direito a grandes comerciantes ou aventureiros e, em troca, ficava com parte dos lucros.

A maior parte dos produtos da terra, em especial o pau-brasil, eram obtidos através do escambo[4], prática comercial que predominou nas primeiras relações entre nativos e portugueses. Por esse sistema, em troca de trabalho e de mercadorias os portugueses ofereciam aos indígenas espelhos, colares, cordas, facas e outros objetos.

 

O Período Pré-Colonial (1500 1530)

 

Como os lucros obtidos inicialmente não foram os esperados pelo governo de Portugal, entre 1500 e 1530 foram poucas as expedições enviadas pelo governo e tinham basicamente o objetivo de explorar a terra e garantir a sua posse.   Era preciso primeiro conhecer a nova terra para daí sim decidir se valeria a pena colonizá-la ou não. Assim, durante os primeiros trinta anos dos portugueses no Brasil, o chamado período pré-colonial, o território serviu apenas como um posto de abastecimento de bens de primeira necessidade, de reparos de embarcações que iam para o Oriente e de carregamento de pau-brasil. A prioridade comercial de Portugal ainda era nas Índias. As expedições enviadas podiam ser classificadas em exploradoras e guarda-costas.

As primeiras expedições portuguesas para o Brasil tinham por finalidade reconhecer o litoral da nova terra, sendo, por isso, denominadas expedições exploradoras. Entre 1501 e 1504 duas foram enviadas para a América. A primeira foi comandada por Gaspar de Lemos e teve a participação do experiente navegador Américo Vespúcio. Nessa expedição foi verificada a existência de grande quantidade de pau-brasil, nomeados os acidentes geográficos que foram encontrados conforme o santo de cada dia e elaborado um mapa do litoral brasileiro. A segunda expedição partiu de Portugal em junho de 1503, era comandada por Gonçalo Coelho e também contou com a presença de Américo Vespúcio. Essa expedição já se tinha o objetivo de fazer o primeiro carregamento de pau-brasil. A notícia sobre a grande da valiosa madeira atraiu especialmente holandeses e franceses para a América. Pela constante presença de contrabandistas, o governo de Portugal percebeu a urgente necessidade de proteger militarmente o território.

A partir desse momento a Coroa portuguesa passou a organizar as chamadas expedições “guarda-costas” com o objetivo de proteger o território e expulsar piratas. A primeira delas ocorreu em 1516 e a segunda em 1526. Ambas foram comandadas por Cristóvão Jacques. Especialmente pela extensão do litoral, as duas expedições mostraram-se insuficientes para combater o contrabando e a constante ameaça de ocupação estrangeira.

A exploração do pau-brasil não exigia, como foi dito, a fixação dos portugueses na América e desse modo não ocorreu o desenvolvimento de povoados. Até 1532 a única presença marcante de Portugal na “nova terra” foram as chamadas feitorias, fortificações estabelecidas em pontos do litoral e que serviam para a defesa e armazenamento de pau-brasil e de outras mercadorias que seriam transportadas para a Europa. Essas feitorias eram chefiadas por um feitor que contava com auxílio de um escrivão que registrava tudo o que era embarcado. A primeira feitoria no Brasil foi fundada em 1504 por Américo Vespúcio. 

 

A DECISÃO DE COLONIZAR O TERRITÓRIO

 

A decisão de Portugal colonizar o território só foi tomada a partir de 1530 quando o rei, D. João III, resolveu enviar para o Brasil a expedição de Martin Afonso de Souza com o objetivo de implantar o que ficou conhecido como sistema colonial. Essa decisão foi resultado de alguns fatores principais. O declínio do comércio nas Índias, provocado pela crescente concorrência de holandeses, franceses e ingleses, pode ser apontado como uma das causas. Com o lucro decaindo no Oriente, seria preciso aumentar as fontes de riquezas na América. Outro fator foi a grande extensão do território, o que dificultava, logicamente, sua proteção. Os portugueses temiam perder a posse da terra devido a constante presença de estrangeiros contrabandistas e perceberam que a melhor maneira de protegê-la seria promovendo seu povoamento. 

Junto com a preocupação com a posse da terra estava o desejo de obter maiores lucros e nesse sentido podemos apontar mais dois motivos para o início da colonização. A notícia de que espanhóis haviam encontrado metais preciosos em sua parte do território dividido na América aumentou as esperanças e o interesse de Portugal pela terra. Além desses fatores, sabiam agora os portugueses que havia no Brasil, especialmente na região nordeste, clima e solo favoráveis para a produção de açúcar, produto de grande valor na Europa.

 

O início da colonização

Em dezembro de 1530 partiu de Lisboa, comandada por Martin Afonso de Souza, uma expedição com cinco navios e uma tripulação de cerca de 400 pessoas. A expedição tinha vários objetivos. O primeiro e principal deles era iniciar a colonização do Brasil, ou seja, a ocupação da terra por portugueses. Além disso, Martin Afonso de Souza, que chegou trazendo homens, ferramentas, sementes e animais domésticos, tinha a tarefa de combater os estrangeiros, procurar ouro, organizar a exploração das riquezas e fazer o reconhecimento do litoral.  

Apesar da exploração do pau-brasil proporcionar bons lucros, era necessário passar de uma fase de exploração predatória da madeira para uma fase de produção.  Em janeiro de 1532 foi fundada a primeira vila do Brasil, São Vicente. Alguns povoados, como Santo André da Borda do Campo e Santo Amaro, foram fundados no mesmo período. Como ainda veremos, o início da colonização do Brasil foi marcado pela produção de açucareira.  Foi na região de São Vicente que os primeiros colonos iniciaram o plantio de cana-de-açúcar e onde foi instalado o primeiro engenho. Demorou muito tempo até que o colonizador fizesse o reconhecimento de toda a costa e, mais ainda, do interior do território.

A instalação do sistema colonial no Brasil tinha a lógica de extrair o máximo possível e garantir assim grande lucratividade. Porém, para executar seu projeto na América Portugal vai ter dois problemas: a grande extensão do território e especialmente a falta de recursos financeiros. A solução tentada pelo governo português foi a implantação do sistema de capitanias hereditárias.

 

As capitanias hereditárias

 

Nos primeiros anos os portugueses limitaram-se a explorar e a manter o monopólio sobre o pau-brasil. A partir de 1534 o rei D. João III resolveu investir em novas fontes de riqueza em seu território na América. Porém, para aumentar seu rendimento na “nova terra” teriam que povoá-la, o que exigia elevados investimentos. Na época, Portugal passava por grave crise financeira, não tinha condições de pagar suas dívidas e para piorar, a capital, Lisboa, precisava ser reconstruída após ser arruinada por um terremoto em 1531. 

Descrição: C:\Users\gabriel\Desktop\digitalizar0004.jpgSem recursos próprios para implantar em sua colônia um sistema administrativo, Portugal optou por transferir o custo da colonização a particulares que tivessem interesse. O sistema adotado como principal instrumento para colonizar a terra consistia em dividi-la em grandes lotes de terra, chamadas de capitânias hereditárias. As capitanias seriam implantadas principalmente como meio de consolidar a presença portuguesa e esse sistema já havia sido adotado com sucesso nas ilhas que Portugal controlava no Atlântico, como Madeira e Cabo Verde. A experiência dos portugueses com a lavoura de cana-de-açúcar também vinha dessas ilhas. Na época da divisão, as terras eram quase totalmente desconhecidas e haviam apenas três feitorias e alguns povoados.

Entre 1534 e 1536, as terras portuguesas na América foram divididas em quinze faixas que se estendiam do litoral até a linha do Tratado de Tordesilhas.[5] Cada uma dessas faixas – chamadas de capitanias hereditárias – foi doada a um capitão donatário, normalmente um nobre leal ao rei.  Apesar de o rei falar em doação, os donatários não eram proprietários das capitanias, portanto, não podiam vendê-las ou mesmo repassá-las. O que o governo transferia a eles era o direito de exercer o poder administrativo no território colonial e explorar economicamente a terra. O donatário passaria a ser a autoridade máxima dentro de sua capitania, tendo a responsabilidade de desenvolvê-la com seus recursos. Com a sua morte, a administração passaria para seus herdeiros.

Essa doação se dava por meio de dois documentos: a carta de doação e a carta foral. A carta de doação concedia o lote ao donatário e lhe garantia total autoridade sobre a capitânia. A coroa, em casos especiais, tinha o direito de retomá-la, por meio de indenização ou confisco. Já a carta foral determinava os direitos e os deveres dos donatários. As capitanias funcionavam como vários governos autônomos, em que cada donatário representava a autoridade máxima, devendo a obediência apenas a Coroa. Porém, além de uma série de direitos sobre a terra vão ter também várias obrigações.

Os capitães donatários tinham o direito de: criar vilas e distribuir sesmarias (lotes de terra) a quem tivesse interesse e condições de cultivá-las, administrar e fazer a justiça na capitânia, podendo inclusive aplicar a pena de morte desde que houvesse a aprovação do rei, cobrar impostos, escravizar indígenas que resistissem a ocupação[6], enviar até trinta nativos escravizados por ano a Portugal, receber 5% dos lucros obtidos sobre a exploração de pau-brasil. Por outro lado, o capitão donatário tinha o compromisso de: proteger militarmente o território impedindo a ação de piratas e a ocupação por estrangeiros, promover o desenvolvimento econômico da capitânia especialmente através da produção de cana de açúcar, colaborar com a expansão da fé cristã, transferir para o rei de Portugal 10% dos lucros obtidos sobre qualquer produto retirado da terra e 20% dos lucros sobre metais preciosos que fossem encontrados e garantir que o monopólio comercial sobre o pau-brasil, que pertencia a coroa portuguesa, fosse respeitado.

 

O FRACASSO DAS CAPITANIAS: 

 

O sistema de capitanias não teve o sucesso econômico esperado pelo governo de Portugal. Inicialmente apenas as capitanias de Pernambuco e São Vicente prosperaram. Posteriormente, a Bahia também se desenvolveu graças à produção de cana de açúcar.  Muitas razões explicam o fracasso das capitanias:

- A grande extensão territorial das capitanias tornava difícil a exploração. Os investimentos eram todos feitos pelos donatários e muitas vezes o lucro não compensava. Alguns donatários foram perdendo o interesse pelas e outros nem mesmo tomaram posse.

- Grupos indígenas não aceitavam a colonização e passaram a se defender da invasão de suas terras e da escravidão.

- As enormes distâncias entre as capitânias, precárias condições de transporte e dificuldades de comunicação com Portugal.  

- Em algumas capitanias o solo não favorecia o plantio de cana-de-açúcar.

- Desentendimentos entre o governo português e donatários que não aceitavam cumprir deveres e se sentiam prejudicados na divisão dos lucros. Muitos deles desistiram das terras e voltaram para a Europa.

O GOVERNO-GERAL

Apesar do insucesso e das dificuldades, o sistema de capitanias foi importante por dar início a colonização e para conservar a posse do território. Além disso, nas capitanias se formaram os primeiros núcleos de povoamento como São Vicente, Santos, Porto Seguro, Ilhéus e Olinda. Com o fracasso da grande maioria das capitanias o governo de Portugal buscou novas alternativas para administrar sua colônia na América. Procurando aumentar seu controle sobre o Brasil, o governo português estabeleceu em 1547 em 1547 o governo-geral, ou seja, um centro político na América portuguesa. O governador geral era como se fosse um representante direto do rei na colônia e deveria servir de apoio ao desenvolvimento das capitanias.

 Os donatários, que antes deviam obediência somente e diretamente ao rei, deveriam agora respeitar os poderes e decisões do governador geral.  De modo geral, o governador-geral deveria defender a terra contra ataques estrangeiros, incentivar a busca por metais preciosos, converter indígenas ao catolicismo e lutar contra aqueles que ainda resistissem a presença portuguesa.  Para cumprir com suas obrigações o governador-geral contava com o apoio de auxiliares, como o ouvidor-mor, encarregado da justiça, o provedor-mor, responsável por controlar os gastos administrativos, e o capitão-mor, que tinha o compromisso de proteger militarmente a colônia.

Para instalar a sede do governo geral, a Coroa escolheu a capitania da Bahia por estar situada em um ponto central da costa, o que poderia facilitar a comunicação com as demais capitanias. Na Bahia foi erguida, num terreno elevado e próximo ao mar, a cidade de Salvador, primeira capital do Brasil. A existência de um governo-geral e centralizado no Brasil não significou a extinção das capitânias. Somente em 1759, quando as últimas capitanias deixaram de existir, é que a colônia passou a ser administrada por representantes da Coroa portuguesa. Os três primeiros governadores-gerais do Brasil foram: Tomé de Souza, Duarte da Costa e Mem de Sá.

Tomé de Souza (1549 – 1553)

O primeiro governador-geral escolhido foi o militar e político português, Tomé de Souza. Logo em seu primeiro ano no Brasil fundou a cidade de Salvador, centro do governo, e proporcionou o grande desenvolvimento da agricultura e da pecuária. Tendo o dever de proteger militarmente o território contra invasões de piratas estrangeiros, distribuiu armas e munições aos colonos e ordenou a construção de várias fortalezas em pontos estratégicos. Além de soldados e colonos, nessa época também vieram para o Brasil os primeiros padres jesuítas, que, liderados por Manuel da Nóbrega, teriam a missão de catequizar os indígenas e converte-los ao catolicismo. Foram os jesuítas que criaram o primeiro colégio no Brasil. No governo de Tomé de Souza ainda foram dados incentivos ao cultivo de cana-de-açúcar e organizaram-se as primeiras expedições que tinham o objetivo de descobrir metais preciosos.

 

Duarte da Costa (1553 – 1557)

Duarte da Costa foi o segundo governador geral do Brasil e teve que enfrentar sérias dificuldades. Veio acompanhado por um grupo de padres jesuítas, com destaque maior para José de Anchieta. Em 1554, José de Anchieta e Nóbrega fundaram o Colégio de São Paulo, junto ao qual surgiu a vila que deu origem a cidade de São Paulo. O governo de Duarte da Costa foi marcado pela invasão do Rio de Janeiro pelos franceses, que ali fundaram um povoamento chamado de França Antártica. O conflito contra os franceses foi de extrema dificuldade, pois os invasores contavam com apoio de indígenas que lutavam contra a presença dos portugueses. Pela falta de escravos africanos a serem empregados nas lavouras de cana-de-açúcar, esse governo organizou tropas para combater tribos indígenas que se negavam a ceder territórios para os colonizadores entrando assim em desentendimento com os jesuítas.  

A presença dos franceses no Brasil

Desde o início da presença portuguesa na América as terras do Brasil despertaram interesse de outros países europeus. A França foi o primeiro a contestar a validade do Tratado de Tordesilhas que dividia o continente americano entre Portugal e Espanha. Articulando acordos e alianças com os povos indígenas os franceses garantiam sua presença no território.

A presença francesa se tornou mais constante a partir de 1555 quando fundaram, na baía de Guanabara (atual Rio de Janeiro), a chamada França Antártica. O principal povo indígena que colaborou com os franceses foram os tamoios e a através de um acordo surgiu a Confederação dos Tamoios, aliança entre diversos povos nativos e que tinha o objetivo de derrotar os colonizadores portugueses.

Somente em 1567 os portugueses conseguiram derrotar a Confederação. Apesar de serem expulsos do litoral brasileiro, os franceses insistiram em ocupar parte da colônia portuguesa na América e em 1612 estabeleceram uma nova fixação dessa vez na região nordeste onde fundaram, em São Luís (atual capital do Maranhão) a chamada França Equinocial. Portugal outra vez teve que reagir a nova tentativa dos franceses desenvolverem povoamento no Brasil. Uma expedição militar foi organizada e em 1615 os franceses foram novamente derrotados retirando-se da região para fundarem mais ao norte uma colônia, a Guiana Francesa. Após isso, os franceses continuaram representando ameaça através dos corsários (piratas) que atuavam em várias regiões do litoral.

 

Mem de Sá (1558 – 1572)

Após o governo de Tomé de Souza, Portugal deparava-se com um grave problema no Rio de Janeiro. A invasão dos franceses e sua aliança com os índios da região representava uma série ameaça ao domínio português. A principal realização do terceiro governador-geral do Brasil foi justamente a expulsão dos franceses do território. Mem de Sá assumiu o governo da colônia em 1558 e governou por quinze anos. Embora esse período tenha sido marcado por problemas como a fome e a varíola na Bahia, seu governo foi marcado por uma relativa prosperidade e pela intensificação do trabalho dos jesuítas e da catequização dos nativos. Estácio de Sá, sobrinho do governador, fundou em 1565 a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Em 1572 Mem de Sá resolveu deixar o posto de governador geral e voltou para Portugal. Faleceu no mesmo ano.

 

Com o crescimento da colônia e desenvolvimento das primeiras vilas e cidades, foi necessária a criação de outros mecanismos de administração. Assim surgiram as câmaras municipais, que desempenharam importante papel durante o período de colonização. As câmaras municipais eram órgãos da administração local, se estruturaram nas vilas mais importantes e eram formadas por três ou quatro vereadores escolhidos entre os chamados “homens bons”, isto é, brancos nascidos na comunidade, ricos senhores de escravos e grandes proprietários de terra. As câmaras municipais estavam encarregadas de organizar e fiscalizar as feiras de comércio e construir e manter estradas, pontes e calçamentos. Além disso, era responsável pela limpeza da cidade e tinha o poder de decidir sobre impostos e de combater indígenas que não aceitavam a dominação portuguesa.

O governador-geral deveria visitar as capitânias e ter um controle sobre toda a colônia. Porém, nem sempre os capitães donatários e as câmaras municipais respeitavam a autoridade do governador. A adoção de um governo-geral e centralizado na colônia trouxe bons resultados. Novas cidades foram fundadas, o território foi mais bem ocupado e a produção econômica aumentou. O sistema de governo-geral funcionou no Brasil até 1808, ano em que a família real portuguesa se transferiu para a América.

 

 

O PACTO COLONIAL: o comércio entre Portugal e a colônia

Os europeus adotavam várias estratégias econômicas conhecidas como mercantilistas. Mediam a riqueza de acordo com a quantidade de ouro e prata que possuíssem e por essa lógica um país para ser rico e poderoso deveria acumular a maior quantidade possível de metais preciosos. Para isso, os governos procuravam manter sempre uma balança comercial favorável, ou seja, exportar mais do que importar.

Ao tomar posse e iniciar a colonização do território conquistado na América, Portugal tinha um objetivo bem definido: tirar da “nova terra” tudo aquilo que tivesse grande valor na Europa e pudesse garantir o maior lucro possível. Para isso, o governo português estabeleceu regras bem claras para as relações econômicas entre a metrópole, Portugal,  e a colônia, Brasil.  A colônia deveria produzir gêneros tropicais (açúcar, tabaco, algodão) e extrair as riquezas naturais, especialmente ouro e prata, e era obrigada a comprar da metrópole produtos manufaturados, como ferramentas para o trabalho, tecidos, utensílios domésticos e até alimentos. Dessa maneira se estabelecia entre metrópole e colônia o chamado “pacto colonial”, pelo qual a colônia só produzia aquilo que era de interesse e autorizado por Portugal e era também obrigada a estabelecer comércio somente com Portugal.

Essa relação obviamente era sempre favorável a Portugal, que pagava um valor reduzido por produtos que revendia na Europa por valores elevados e tinha garantido um mercado consumidor de seus produtos manufaturados. Por essa lógica, tudo aquilo que pudesse representar o desenvolvimento da colônia, como a instalação de fábricas ou a circulação de jornais, por exemplo, era proibido.  Somente em 1808 o pacto colonial foi quebrado.  Por mais de trezentos anos a colônia atendeu aos interesses econômicos da metrópole, sendo para Portugal uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro”.

 

Questões:

1)    Entre 1500 e 1530 os portugueses enviaram para o Brasil dois tipos de expedições. Que expedições eram essas e que objetivos tinham?

2)    A primeira riqueza explorada pelos portugueses na América foi o pau-brasil. Responda:

a) Por que o comércio de pau-brasil era tão lucrativo?

b) Qual foi o papel desempenhado pelos indígenas nesse comércio?

c) O que eram e que importância tinham as feitorias criadas a partir da exploração do pau-brasil?

3)    Como funcionaram as primeiras relações comerciais entre portugueses e indígenas? Explique.

4)    A partir de 1530 o governo de Portugal resolveu iniciar a colonização da terra “descoberta” na América. Quais são os fatores que levaram o governo português a tomar essa decisão? 

5)    Em 1530 o rei de Portugal enviou para o Brasil uma expedição comandada por Martin Afonso de Souza.  Quais eram os principais objetivos da expedição de Martin Afonso de Souza?

6)    Qual foi o sistema adotado pelo rei de Portugal, D. João III, no início da colonização do Brasil? Porque tomou essa decisão e de que modo funcionava?

7)    A maioria das capitânias hereditárias não corresponderam as expectativas do governo português e acabaram fracassando. Porque motivos isso ocorreu? Quais são as duas que tiveram sucesso?

8)    Diga quem eram os capitães donatários e relacione alguns de seus direitos e alguns de seus deveres.

9)  Por que o rei de Portugal decidiu criar no Brasil o sistema de Governo Geral? Qual seria a função do governo geral? Quais foram os três primeiros governadores?

10)  Quais eram os três auxiliares mais importantes do governador-geral? Quais eras as suas funções?

11) Qual era a função das Câmaras Municipais? Como eram formadas essas Câmaras?

13) Como era a relação entre a Igreja Católica e a coroa portuguesa durante o período colonial?

14) A relação comercial entre a metrópole e a colonial durante todo o período colonial se deu através do chamado “Pacto Colonial”. Com suas palavras, explique como funcionava esse “pacto” e aponte os prejuízos que a colônia tinha.

 



[1] Existe ainda hoje uma grande discussão a respeito da chegada dos portugueses ao Brasil. Apesar de alguns afirmarem que foi um erro de percurso da frota de Cabral, existem indícios que mostram o contrário. Vale lembrar que os espanhóis haviam chegado à América em 1492 e que, portanto, poderia sim existir em Portugal o plano de se encontrar o “novo mundo”. A assinatura do Tratado de Tordesilhas também indica a possibilidade de os portugueses já terem algum conhecimento sobre terras ainda desconhecidas pelos europeus.

[2] A Carta de Pero Vaz de Caminha mostra bem o deslumbramento que os europeus tiveram ao chegar na América ou no chamado por eles, Novo Mundo. Na carta, o escritor narra alguns dos aspectos físicos da terra, descreve como os portugueses desembarcaram na praia, a primeira missa que foi feita e ainda os primeiros contato dos portugueses com os índios. Recentemente a UNESCO inscreveu Carta de Pero Vaz de Caminha no Programa de Memória do Mundo. Este programa foi criado com o objetivo de  reconhecer  documentos considerados verdadeiros patrimônios em âmbito nacional, internacional e regional, facilitando assim a preservação e o acesso a diversos documentos da história do mundo.

[3] Ato ou efeito de europeizar.

[4] Escambo se refere a troca de produtos sem envolver moeda. Atualmente, como a economia baseada em moedas, o escambo é pouco utilizado. Sobrevive ainda apenas em regiões pouco desenvolvidas do mundo.

[5] As capitanias eram enormes, com largura entre 200 e 700 quilômetros.

[6] Durante boa parte do período colonial ocorreram desavenças entre colonos que desejavam  escravizar o indígena e padre jesuítas que desejavam catequiza-lo. Em 1570, sofrendo pressão das autoridades católicas, o governo português proibiu a captura de índios por meio de uma Carta Régia. Portugal proibiu a captura de índios por meio de uma Carta Régia emitida no ano de 1570. Segundo esse documento, os índios só poderiam ser presos e escravizados em situação de guerra justa. Ou seja, somente os índios que se voltassem contra os colonizadores estariam sujeitos à condição de escravos.

 

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