"O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente (Mário Quintana)

8.1 - O Iluminismo


   O iluminismo foi um movimento cultural dos séculos XVII e XVIII que combateu a estrutura do Antigo Regime, ou seja, o absolutismo, o mercantilismo e os valores da Igreja Católica.  Esteve muito ligado aos interesses da burguesia e apresentou o uso da razão como principio básico para modificar a estrutura política, econômica e social. Defendia a liberdade, a igualdade e a individualidade como meio de terminar com as injustiças da época.  

       O desenvolvimento do comércio e a exploração das colônias fundadas fora da Europa provocaram inúmeras mudanças na economia e contribuíram para o fortalecimento de uma importante classe social, a burguesa. Com o passar do tempo, os interesses da burguesia foram se alterando e as transformações notadas na economia e na sociedade passaram a exigir também uma transformação cultural, ou seja, na forma de pensar e agir. Durante o século XVIII, chamado por alguns estudiosos de o Século das Luzes, foram se consolidando as ideias e as teorias que seriam usadas para combater o sistema político, econômico e social que vigorava em praticamente toda a Europa.
       Assim, o Iluminismo,[1] como foi chamado esse movimento que propunha um novo pensamento, abriu o caminho e serviu de base para as diversas revoluções que passaram a combater a estrutura do Antigo Regime. O modo como o governo absolutista e a igreja interferiam na sociedade e na economia, impedindo as ações individuais, não agradava a burguesia já que sua principal atividade, o comércio, era duramente prejudicada. Sabendo da importância que tinham, os burgueses passaram a lutar por seus interesses criticando a estrutura do Antigo Regime e exigindo o fim dos privilégios da nobreza e do clero.
    É comum haver uma relação, muitas vezes equivocada, entre Iluminismo e Renascimento. Podemos até dizer que o Iluminismo foi uma continuação do processo de mudanças no pensamento iniciado no século XIV no movimento que ficou conhecido como Renascimento. Porém, semelhante entre eles há apenas o fato de apresentarem a proposta de laicização, ou seja, a separação entre o ensino religioso e ensino racional, crítico e científico. No mais, além da diferença de período em que ocorrem, o Renascimento foi caracterizado por elementos artísticos como a escultura, a pintura, a música e a literatura. Assim, ao contrário do Iluminismo, o Renascimento não foi um movimento de ruptura já que não apresentou teorias políticas, econômicas e sociais. 
      Para eliminar a desigualdade social, o preconceito e a ignorância, os iluministas, que chamavam a si mesmo de filósofos, defendiam ou tinham como principais valores a igualdade nas relações políticas e sociais, a liberdade econômica e de se expressar e a tolerância religiosa. Defendendo a renovação da sociedade e do Estado, o Iluminismo estava também, de alguma maneira, ligado ao desenvolvimento do comércio e ao espírito individualista da burguesia.  

A estrutura do Antigo Regime:

O termo Antigo Regime é utilizado para fazer referência a um conjunto de características sociais, políticas, econômicas e culturais dos principais países europeus entre os séculos XVI e XVII.  Entre essas características devemos citar:

- o poder absoluto do rei: os governantes concentravam todo o poder em suas mãos. Elaboravam leis, criavam impostos, controlavam exércitos e faziam a justiça. Além disso, o rei protegia e mantinha os privilégios da nobreza.

- o poder incontestável da igreja: a igreja controlava o conhecimento e impedia que as pessoas elaborassem suas próprias ideias. Além disso, continuava vendo o lucro como algo negativo e afirmando que a verdade só poderia ser encontrada pela fé.

 - a sociedade estamental: a sociedade estava dividida em rígidas classes (clero, nobreza, povo). Praticamente não existia possibilidade de mudança social. A maioria da população era prejudicada em função da minoria e assim existia uma sociedade onde poucos tinham muito e muitos tinham pouco.

- as práticas mercantilistas: o governo absolutista interferia na economia impedindo a livre iniciativa e concorrência. Os Estados procuravam manter uma balança comercial favorável, reforçar o sistema colonial o monopólio comercial.

Precursores do Iluminismo

Muitos dos iluministas do século XVIII buscaram inspiração no racionalismo[2] empregado por pensadores europeus do século XVII. Nomes como René Descartes, Isaac Newton e John Locke, foram responsáveis pela chamada Revolução Científica[3] do século XVII e podem ser destacados como precursores do iluminismo.

René Descartes
René Descartes (1596-1650): é considerado um dos principais fundadores do racionalismo. Defende a ideia de que a dúvida é o primeiro passo no processo de construção do conhecimento. Sua frase, “Penso, logo existo”, resume bem sua teoria de que o conhecimento só pode ser adquirido através da razão. Para Descartes, só existe aquilo pode ser comprovado através do pensamento racional. 

Isaac Newton (1642-1727): Assim como Descartes, substituiu a religião pela ciência. Fez várias descobertas no campo da matemática, física e na astronomia. Descobriu leis aplicáveis ao universo como a lei da gravidade. Para Newton, a função da ciência era descobrir leis e formulá-las de modo racional.

John Locke
John Locke (1632-1704): Por ter lançado a base do pensamento iluminista, principalmente no que diz respeito às leis da sociedade, o inglês John Locke é considerado por muitos como o pai do iluminismo. Apesar de ter se destacado por afirmar que a mente humana é uma tabula rasa e que, portanto, todo conhecimento que adquirimos é resultado da experiência e do uso da razão, Locke ficou marcado por ser o primeiro a atacar o absolutismo monárquico e defender as liberdades individuais. Afirmava que os direitos à vida, à liberdade e a propriedade eram direitos invioláveis e naturais dos homens. Para preservar esses direitos os homens criaram o governo, que só existe, portanto, devido o consentimento da maioria. Sendo assim, para Locke, o governo que fizesse mau uso do poder ou não respeitasse os direitos do homem, poderia ser por direito derrubado pelo povo.  Locke tornou-se um importante nome do liberalismo político.[4] Com suas posições políticas combateu o absolutismo na Inglaterra e teve importante participação na Revolução Gloriosa. [5]

O Iluminismo na economia

Os valores aplicados à vida social e política serviram também para a construção de novas teorias econômicas. Podemos destacar no plano econômico duas escolas que se desenvolveram: a escola fisiocrata, fundada pelo economista e médico francês, François Quesnay, e a escola liberalismo econômico, fundada pelo escocês Adam Smith.  

François Quesnay (1694 – 1774): era um antimercantilista, isto é, contrário a intervenção do Estado na economia. Para os fisiocratas o Estado tinha apenas a função de garantir a liberdade e não o direito de controlar a economia estabelecendo regras para a circulação de mercadorias e para o consumo. Quesnay defendia as atividades agrícolas como sendo as únicas capazes de gerar riquezas para uma nação. Assim, a origem da riqueza estaria na terra. 

Adam Smith (1723 – 1790)
LIBERALISMO ECONÔMICO

Adam Smith condenava a intervenção do Estado na economia, mas ao contrário dos fisiocratas, não acreditava que a agricultura fosse a origem da riqueza e afirmava que a verdadeira fonte de riqueza era o trabalho. Smith defendia o livre comércio e assim, portanto, lutava contra as práticas mercantilistas impostas pelo governo e que impediam o desenvolvimento do capitalismo. Para Smith, o mercado deveria ser regulado pela lei de oferta e procura, pela livre iniciativa e pela concorrência. O lema dos iluministas para a economia era o seguinte:  "laissez fairelaissez aller, laissez passer" -  "deixai fazer, deixai ir, deixai passar"

OS GRANDES PENSADORES DO ILUMINISMO:

     Além de proporem uma reforma nas relações econômicas, os iluministas empenharam-se para modificar as relações políticas e sociais e acabar assim com os privilégios do clero e da nobreza. Apesar de divergirem em muitos aspectos, os iluministas concordavam em um ponto fundamental: a crença na razão como instrumento para se compreender, criticar e modificar todos os setores da sociedade.    

 Montesquieu (1694 – 1755)

“É preciso que o poder limite o poder.”

obra, faz elogios a monarquia constitucional da Inglaterra e defende a ideia de que os poderes, concentrados na pessoa do rei durante o Antigo Regime, sejam divididos em três: Legislativo, Executivo e Judiciário. Com a teoria dos três poderes ou da separação dos poderes, como ficou conhecida, Montesquieu pretendia principalmente inibir o abuso dos governantes.
De modo geral, a proposta central da teoria é de que um poder tenha ao mesmo tempo autonomia, isto é, liberdade para tomar suas decisões, mas que possa intervir quando necessário no outro. Desse modo, na prática, nenhum dos três poderes vai ter controle total sobre a sociedade já que um poder regula o outro. 
Para Montesquieu, que elaborou sua teoria na lógica de um regime monárquico, o executivo seria exercido pelo rei, com poder de convocar o legislativo e também de vetar as decisões tomadas pelo legislativo. Já o legislativo era composto por pessoas do povo que representavam as diferentes classes sociais e por nobres. Esses formavam assembleias com o objetivo de elaborar e propor as leis que conduziriam o governo e fiscalizar o executivo. Por fim, o poder judiciário teria o compromisso de interpretar e julgar os abusos.  
O trabalho de Montesquieu inspirou a criação da constituição dos Estados Unidos e hoje, apesar de diferenças que existem de acordo com o regime de governo adotado, todo estado definido como democrático ou não ditatorial está organizado na ideia da divisão dos três poderes.  


  Voltaire (1694 – 1778)
                                                        
“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.”

      Destacou-se por atacar a intolerância religiosa, o abuso dos poderosos e principalmente por defender a liberdade de expressão e de pensamento.
      Por causa de suas ideias, o filósofo e escritor francês chegou a ser preso duas vezes, Na segunda delas foi lhe dada a oportunidade de sair da França. Antes de voltar ao seu país viveu três anos na Inglaterra. Voltaire, assim como outros pensadores de sua época,  era um crítico do absolutismo dos reis e favorável a cobrança justa dos impostos e fim dos privilégios da nobreza e do clero, mas não um defensor que o poder fosse entregue ao povo.
Não era um democrata, mas era favorável a uma monarquia que respeitasse as liberdades individuais, que estabelecesse leis para limitar o poder do governo e que tivesse como governante um esclarecido, ou seja, que fosse aconselhado por pensadores iluministas e aceitasse as ideias do movimento.

Rousseau (1712 – 1778)

“O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe.”

Rousseau teve clara inspiração nas ideias de Locke e, por apresentar teorias diferentes dos demais filósofos, é considerado por muitos estudiosos como sendo o mais radical entre os pensadores iluministas. Ele desenvolveu a teoria do bom selvagem. Para Rousseau, inicialmente os seres humanos viviam em estado natural onde praticamente não existiam conflitos e todos eram iguais pelo fato de não haver propriedade privada. Para esse pensador os problemas sociais tiveram início no momento em que algumas pessoas passaram a possuir terras e a ter dominação sobre aquelas que não possuíam. Para solucionar ou amenizar os problemas que se originavam pela desigualdade social e para garantir a ordem e os direitos individuais, os homens concordaram em aceitar a figura de uma liderança e a se submeter à vontade da maioria. Dessa forma, teria nascido o Estado, ou seja, o governo.
 A partir disso Rousseau defendeu, em sua principal obra, O Contrato Social, o pensamento de que o povo é soberano é deve prevalecer a vontade da maioria. Desse modo, o povo teria o direito de derrubar qualquer governo que não respeite a vontade da maioria ou viole o direito da liberdade. Segundo ele, somente dessa forma haveria igualdade, ou seja, com um contrato estabelecido entre o povo e o governante.

A enciclopédia; a educação para os iluministas; os déspotas esclarecidos


Em 1751 foi publicada na França uma Enciclopédia composta por 35 volumes que tinha como objetivo reunir todo o conhecimento acumulado pela humanidade e expor as principais ideias dos pensadores iluministas. Os organizadores dessa obra foram Diderot e D’Alembert, que ficaram conhecidos como enciclopedistas. A obra contou com a colaboração de vários filósofos e foi apontada como “perigosa” pelas autoridades.
Para a educação os iluministas defendiam uma grande reforma. Durante toda a Idade Média e também no período do Antigo Regime, o conhecimento e o ensino foi controlado pela igreja e era privilégio da minoria. De modo geral, o movimento iluminista defendia três pontos básicos:


- educação laica: o ensino deve ser independente da religião, ou seja, não pode ser determinado por nenhuma religião.

- educação obrigatória e gratuita: a educação deve ser mantida pelo Estado e não pode privilegiar nenhuma classe.

- ensino científico: as escolas devem priorizar o estudo das ciências, dos ofícios e das técnicas, atendendo assim, as necessidades da nova sociedade e promovidas pela Revolução Industrial.  


A partir da segunda metade do século XVIII alguns governantes da Europa passaram a conduzir o Estado levando em consideração alguns dos princípios defendidos pelos iluministas, esses governantes ficaram conhecidos como déspotas esclarecidos. Procurando muito mais evitar revoltas sociais do que realmente promover mudanças significativas na política, na sociedade e na economia, alguns governantes realizaram importantes reformas em seus reinos. Aos poucos foram liberadas forças que mais tarde revelaram-se incontroláveis.  Entre os principais déspotas esclarecidos podemos citar: Frederico II (Prússia), Catarina II (Rússia), José II (Áustria), José I (Portugal).



   Questões

1)      Com suas palavras, defina o que foi o Iluminismo.
2)      Qual a relação que pode ser feita entre o Renascimento e o Iluminismo? Explique.
3)      Quais eram os principais aspectos do Antigo Regime que eram criticados pelos pensadores iluministas e pela burguesia? Com suas palavras, explique cada um deles.
4)      Quais eram as principais críticas que os iluministas faziam ao modelo de governo e de sociedade do Antigo Regime?
5)      De maneira geral, quais eram as principais propostas e valores defendidos pelos iluministas para combater a estrutura do Antigo Regime?
6)      Por que os podemos associar o Iluminismo aos interesses da burguesia?
7)      Explique a afirmação de René Descartes: “Penso, logo existo.”
8)      Qual o pensamento defendido pelo inglês John Locke para as relações políticas?
9)      Adam Smith é considerado o “pai do liberalismo econômico”. Com suas palavras, explique a teoria elaborada por esse importante pensador iluminista.
10)   Entre tantos, Montesquieu foi seguramente um dos mais importantes pensadores iluministas. Qual foi e o que dizia a teoria desenvolvida por ele? O que ele pretendia com o seu pensamento?
11)   Voltaire e Rousseau foram representantes importantes do iluminismo por proporem mudanças nas relações sociais e políticas da época. Qual era o pensamento defendido por cada um desses pensadores?
12)   Quais eram as ideias que os iluministas defendiam para a educação?

13)    Com suas palavras, explique o que foi o despotismo esclarecido. 


[1] O nome iluminismo surgiu da ideia de que a Europa ainda vivia em um período de trevas que caracterizou a Idade Média, quando a Igreja tinha total controle sobre a cultura e a sociedade. Segundo os iluministas, somente o uso da razão poderia devolver a luz, “iluminar” á sociedade. 

[2] Corresponde a crença de que a razão é a única fonte do conhecimento. 

[3] Movimento intelectual que defendia o uso da razão, da observação e da experimentação como meios para compreender o universo e o homem.

[4] Liberalismo pode ser definido como a doutrina que defende a liberdade individual no campo da política, da economia, da moral, da religião. No movimento iluminista o liberalismo teve destaque especial nos campos político e econômico.

[5] Foi a revolução comandada pela burguesia na Inglaterra entre 1688 e 1689. Através dela se instituiu a Monarquia Parlamentar. 

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