Até o século X ainda não existiam os Estados Modernos, assim como
conhecemos hoje. As pessoas sentiam-se ligadas somente ao lugar de nascimento
ou a região em que viviam. Assim, morar em Paris, por exemplo, não significava
morar na França. Como vimos, durante a Idade Média e especialmente no contexto
do sistema feudal, o poder dos reis nas diferentes regiões da Europa era
bastante limitado já que era exercido somente dentro de seus próprios domínios
e dependia dos recursos que recebiam de seus vassalos. Nesse caso, existia,
portanto, a monarquia feudal mas não ainda uma monarquia nacional, considerada
a primeira forma de Estado Moderno.
Esses Estados, ou
então Monarquias Nacionais, foram se formando gradativamente após o enfraquecimento
do sistema feudal e fortalecimento da burguesia. No longo processo de formação
das Monarquias Nacionais, além dos próprios reis, pelo menos três grupos estiveram
envolvidos: a burguesia, a nobreza e a Igreja. Cada um desses grupos tinha
interesses próprios, ou seja, razões particulares para querer a ou não a
centralização do poder político.
OS INTERESSES DA BURGUESIA
A crise do
sistema feudal esteve diretamente ligada ao revigoramento das áreas urbanas e
das práticas comerciais e muito particularmente ao surgimento da burguesia,
classe essencialmente ligada ao comércio. Para os burgueses, a estrutura do
sistema feudal representava um grande prejuízo. A insegurança, a falta de leis
e de uma moeda única, a inexistência de um sistema de pesos e medidas, e o
excesso de tributos e pedágios cobrados pelos senhores feudais impediam,
logicamente, o desenvolvimento comercial. Diante disso, é fácil compreender por
que a burguesia, que desejava ampliar seus lucros, estava interessada no
fortalecimento do poder do rei na passagem da monarquia feudal para a monarquia
nacional.
Para os
burgueses, a prosperidade do comércio dependia de mudanças sociais e políticas
que somente o rei, com o poder centralizado e concentrado em suas mãos, poderia
realizar. Com o apoio e recursos da burguesia o rei poderia se impor sobre os
senhores feudais e tomar uma série de medidas administrativas favoráveis ao
comércio como estabelecer uma moeda única, garantir a segurança, definir leis e
impostos e ainda reduzir o número de guerras promovidas pela nobreza feudal que
prejudicavam o comércio.
OS
INTERESSES DA NOBREZA
O caso da
nobreza feudal era o mais curioso. Durante a Idade Média e especialmente no
auge do feudalismo, os nobres cumularam grande poder e tiveram força suficiente
para combater a autoridade dos reis. Com todo esse prestígio, os nobres feudais
inicialmente não simpatizavam com a ideia de os reis se fortalecerem no poder. Porém,
com a crise do sistema feudal a situação da nobreza não era a mais favorável.
Os nobres
feudais se enfraqueceram economicamente devido os gastos com as Cruzadas e
então não tinham mais condições de enfrentar as inúmeras revoltas camponesas. Assim,
apesar da nobreza se sentir prejudicada com a política do rei, que favorecia a
burguesia e acabava com vários privilégios feudais, procurou apoio nos monarcas
para garantir a segurança de suas propriedades que eram ameaçadas pelos
camponeses. Além disso, a nobreza pretendia manter alguns de seus privilégios,
como por exemplo, não pagar impostos.
A igreja possuía grande poder político e econômico durante a Idade
Média, exercendo ainda grande influência cultura sobre a sociedade. Ao
contrário da burguesia e da nobreza, a igreja não tinha interesse no
fortalecimento do poder real. Além de cobiçarem as terras que pertenciam a
igreja, os reis pretendiam diminuir o poder e a influência política do clero. De
qualquer forma, com o passar do tempo não restou alternativa à Igreja a não ser
aceitar o domínio e a autoridade do rei.
A CENTRALIZAÇÃO DO PODER REAL
Como se vê,
a formação das monarquias nacionais dependeu da aproximação de interesses da
próspera classe burguesa, em primeiro lugar, e da decadente nobreza feudal. Para
resolver seus diferentes problemas a solução encontrada por burgueses e nobres
foi a mesma: fortalecer a autoridade do rei. Com o dinheiro que recebiam da
burguesia os monarcas foram ficando cada vez menos dependentes da força militar
de seus vassalos e assim, depois de um longo tempo, foram surgindo na Europa
monarquias com o poder centralizado onde os reis tinham grande autoridade sobre
todos os habitantes de um determinado território. [1]
Tendo que se
dividir entre os interesses da burguesia e os interesses da nobreza os reis
acabaram servindo como mediadores dos conflitos entre as duas classes. Em troca
do apoio recebido, o rei logicamente teria suas obrigações. Através de suas leis e de suas ações ele
deveria garantir a paz, a justiça e a prosperidade dos súditos. Para poder
cumprir essas obrigações o rei necessitava organizar um sistema de cobrança de
impostos. [2]
A
FORMAÇÃO DO ESTADO
Com o
dinheiro dos impostos cobrados, especialmente da burguesia, puderam se formar
as monarquias nacionais na Europa. Os Estados modernos que surgiam tinham como
características gerais:
-
governo soberano: ao contrário do que acontecia no sistema
feudal, onde o poder político era descentralizado, ou seja, divido entre vários
senhores que tinham autoridade dentro de seu território, os Estados modernos
vão ter a característica de ter um único governante que terá o direito de tomar
todas as decisões que dizem respeito ao Estado. Era comum, como veremos, o rei
ter ao mesmo tempo o direito de fazer as leis (legislativo), de julgar (judiciário),
de cobrar impostos, de administrar o Estado e ainda controlar os exércitos
(executivo).
- legislação: No sistema feudal
as leis eram estabelecidas pelos senhores feudais e eram válidas dentro do
feudo. Portanto, não existia um conjunto de leis que deveria ser respeitado em
um território determinado. Conforme se consolidavam no poder os monarcas iam
estabelecendo leis que deveriam ser respeitadas dentro do território nacional.
Inicialmente essas leis visavam proteger os interesses dos comerciantes.
-
exército permanente e profissional: para garantir a sua soberania,
ou seja, garantir que suas decisões fossem respeitadas dentro do Estado
Nacional, os reis começaram a formar, com o dinheiro dos impostos arrecadados,
exércitos profissionais e permanentes que eram controlados por eles próprios. A
existência de um exército era fundamental para a manutenção do poder do rei, para
garantir a segurança e para o Estado ser respeitado como país independente.
-
território definido: aos poucos, conforme iam sendo extintas todas
as relações feudais, cada Estado foi definindo suas fronteiras políticas e
estabelecendo um território comum da nação.
-
Idioma comum: a língua falada pelo povo que habitava uma mesma
região foi um importante elemento cultural. O idioma foi um dos elementos que
mais colaborou na formação do sentimento nacionalista. Antes disso, haviam
vários dialetos falados dentro do mesmo território. O dialeto falado na região
onde se encontrava a sede do poder real normalmente era o adotado como idioma
oficial. Uma língua única facilitava a compreensão das leis.
-
moeda nacional: a circulação as inúmeras moedas era uma
forte característica do sistema feudal. Estabelecer uma moeda nacional que teria
valor em todo o território era fundamental para a prosperidade econômica do
Estado. Assim, os reis passaram a controlar a emissão de dinheiro e proibir a
circulação de qualquer outra moeda que não fosse a moeda oficial.
A formação de Portugal, da Espanha, da
França e da Inglaterra
As monarquias nacionais se
formaram em épocas e de maneiras diferentes. De maneira geral, a organização
dos primeiros estados modernos da Europa ocorreu entre o final da Idade Média e
o início da Idade Moderna.
PORTUGAL
Portugal foi
um dos primeiros países a se consolidar na Europa e a ter um governo
centralizado em [1] da
Península Ibérica. Essas lutas ficaram conhecidas como Guerras de Reconquista. A partir do século XI, animado pelo
espírito das cruzadas, os cristãos foram pouco a pouco expulsando o inimigo e
ampliando o território em direção ao sul. A vitória definitiva veio em 1249
quando os portugueses conquistaram Algarves, no sul de Portugal. A partir desse
momento iniciou-se um período de reorganização interna e as fronteiras foram
definidas.
torno do rei. Isso aconteceu em 1139 e o primeiro rei português foi Afonso Henrique. A formação da monarquia portuguesa teve início na luta dos cristãos para expulsarem os mouros
torno do rei. Isso aconteceu em 1139 e o primeiro rei português foi Afonso Henrique. A formação da monarquia portuguesa teve início na luta dos cristãos para expulsarem os mouros
ESPANHA
Assim como a monarquia portuguesa, a monarquia
espanhola esteve muito ligada à luta dos cristãos contra os mouros que ocupavam
a Península Ibérica. Na região vizinha a Portugal os reinos de Aragão e Castela
lideravam a luta para recuperar o território. No ano de 1469 ocorreu um fato
decisivo para a formação: o casamento entre os reis cristãos Fernando de Aragão
e Isabel de Castela. Com os dois reinos unidos os recursos para o combate
aumentaram e em 1492 os exércitos de Fernando e Isabel tomaram o último reduto
árabe na Península Ibérica.
FRANÇA
Na França as características do sistema feudal
que estudamos eram muito claras. O poder político estava dividido entre
inúmeros senhores. O primeiro rei a conseguir impor a sua autoridade foi Filipe
Augusto (1180 – 1223) que, apoiado pela burguesia e por parte da nobreza e com
um exército profissional, conquistou feudos e fortaleceu-se no poder. Outro que
colaborou muito nesse processo de centralização foi o Luís IX (1226 – 1270)
especialmente por ter criado uma moeda única e facilitado a circulação de
mercadorias. A Guerra dos Cem Anos (1337
– 1453), conflito armado entre França e Inglaterra teve grande importância
para a consolidação da monarquia francesa.
INGLATERRA
O processo de centralização de poder na Inglaterra foi iniciado no século XI pelo duque Guilherme, da Normandia (região do norte da França). Guilherme, primeiro rei da Inglaterra exigiu que toda nobreza lhe jurasse fidelidade, proibiu guerras particulares entre os nobres e nomeou funcionários reais. Com sua morte o trono foi herdado por Henrique II, que deu continuidade à centralização do poder. Seu sucessor, Ricardo Coração de Leão passou a maior parte do tempo lutando nas Cruzadas o que acabou enfraquecendo o poder real. Seu irmão, João Sem Terra, ao assumir o trono autorizou seguidos aumentos de impostos e teve que enfrentar a insatisfação da nobreza que lhe obrigou a assinar, em 1215, a Magna Carta, documento que restringia os poderes do rei. Pela Magna Carta o rei deveria respeitar as decisões do Grande Conselho que durante o reinado de Eduardo I (1272 – 1307) passou a ser chamado de Parlamento. A partir do século XVI a Inglaterra tornou-se um dos países mais importantes da Europa.
ABSOLUTISMO
MONÁRQUICO
Com a criação
de exércitos mais fortes e com o crescimento econômico, os reis passaram a ter
um controle administrativo mais eficiente e desse modo puderam exercer todo o
seu poder. O momento máximo do domínio dos monarcas se manifestou no regime
absolutista que pôde se instalar também graças ao enfraquecimento da autoridade
do Papa que, com a Reforma Protestante[3],
deixou de ser universal.
O absolutismo pode ser definido como a grande
concentração do poder nas mãos do rei, que assumia ao mesmo tempo o papel de
decretar leis, fazer a justiça, criar e cobrar impostos e controlar os
exércitos. Estando acima da nobreza e da burguesia, o rei procurava contentar
os dois grupos rivais. Principalmente para a burguesia, que se enriquecia cada
vez mais, a enorme concentração de poderes em torno do rei deveria ser
justificada. Vários pensadores se
esforçaram para justificar o poder absoluto, entre eles, podemos destacar:
Thomas Hobbes
(1588 – 1679): Para Hobbes os homens viviam desde o
princípio em um estado natural, cada um defendendo seus interesses com plena
liberdade. Essas condições tornavam a vida uma constante guerra de todos contra
todos. Para preservar a humanidade os homens rejeitaram a liberdade total em
nome de único senhor, o rei, que seria encarregado de eliminar a desordem e garantir
a segurança de todos. Desse modo, a sociedade não tinha o direito de questionar
o poder absoluto do rei. Sua principal
obra foi “O Leviatã”.
Nicolau Maquiavel (1469 – 1742): Sua principal obra foi “O Príncipe”, onde defendeu o poder dos reis. De acordo com Maquiavel o poder é alcançado pelo homem que tem a virtude de combinar o talento, a ousadia e a sorte. Para manter esse poder e atingir seus objetivos o rei teria direito até mesmo de fazer uso da violência. A grandeza do Estado depende do poder de seu governante. A famosa frase, “os fins justificam os meios” é atribuída a Maquiavel.
Jacques Bossuet
(1627 – 1742): O bispo e teólogo francês desenvolveu e
defendeu a teoria do poder divino dos reis. Segundo Bossuet o
rei era representante de Deus na Terra, sendo, portanto, infalível. Por isso o
rei não tinha que dar satisfação a ninguém a respeito de suas atitudes. Aqueles
que contestassem as decisões do rei estariam pecando.
Jean Bodin
(1530 – 1596): Assim como Bossuet, Bodin elaborou sua teoria para justificar o poder
absoluto dos reis baseado na religião. Para ele a autoridade do rei
representava a vontade de Deus e assim, todo àquele que não a respeitasse
deveria ser considerado inimigo do Estado. Para Bodin, o governo só poderia ser realmente
soberano se pudesse exercer autoridade total.
MERCANTILISMO
O poder absoluto do rei também se
manifestou na economia. A arrecadação de impostos não era suficiente para
sustentar o Estado e várias medidas foram adotadas visando fortalecer as
monarquias nacionais e atender aos interesses da burguesia. O conjunto dessas
medidas e práticas econômicas adotadas pelas monarquias absolutistas
caracteriza o mercantilismo, que marca a transição do feudalismo para o
capitalismo. As práticas mais comuns foram:
BALANÇA COMERCIAL FAVORÁVEL: a riqueza de uma Nação seria medida pela
quantidade de Prata e Ouro que ela possuísse (metalismo). Para garantir o acúmulo de riquezas e o saldo positivo
na balança comercial, o Estado deveria exportar o máximo e importar o mínimo de
produtos que fosse necessário.
PROTECIONISMO: incentivo ao comércio, à indústria e à
marinha mercante locais, aumentando assim a produção de bens manufaturados
dentro do país provocando o aumento dos índices
de exportação. Para isso, muitos estados fixaram taxas ou tarifas alfandegárias
que deveriam ser pagas sobre os artigos que viessem do exterior.
COLONIALISMO E MONOPÓLIO: conquistar novas terras e nelas estabelecer
monopólios era um dos principais fundamentos do mercantilismo. As colônias eram
exploradas com exclusividade pelas metrópoles e, em alguns casos, só poderiam produzir aquilo que as metrópoles
não tinham condições. Através do
monopólio a colônia tornava-se um mercado exclusivo da burguesia metropolitana
que detinha a exclusividade no direito comprar os produtos coloniais e vender
para a população colonial.
Questões
1) Com suas palavras, explique por que o sistema feudal prejudicava
os interesses da classe burguesa.
2) A formação das Monarquias Nacionais dependeu do apoio que o
rei recebeu de dois importantes grupos sociais. Que grupos eram esses? Que
razões levaram cada um desses grupos a apoiarem a centralização do poder do
rei?
3) Por que podemos dizer que o apoio dos burgueses foi
fundamental para os reis se consolidarem no poder? Através de que ações o reis
poderiam retribuir esse apoio e atender os interesses dos burgueses?
4) Quais são as principais características dos Estados
Modernos que se formaram na Europa entre o final da Idade Média e início da
Idade Moderna?
5) Com suas palavras, explique o que foram as Guerras de
Reconquista e diga quais foram as duas monarquias que se formaram a partir
dessas guerras.
6) Por que motivos França e Inglaterra entraram em guerra?
Como se chamou essa guerra?
7) Com suas palavras, defina o que foi absolutismo
monárquico.
8) O absolutismo monárquico foi planejado e justificado de
diferentes maneiras e por diversos teóricos. Cite dois teóricos e com suas
palavras explique o pensamento de cada um.
9) O poder absoluto dos rei também se manifestava na economia
através do mercantilismo. Escreva sobre as principais práticas mercantilistas.
[1] Muitos reis, com o apoio financeiro da burguesia,
foram organizando exércitos permanentes e compostos por soldados profissionais
que estavam sempre preparados para a guerra. Logo, o rei não dependia mais de
seus vassalos para fazer a guerra. Além do mais, a partir do século XIV esses
exércitos passaram a fazer uso de armas de fogo e empregar a infantaria (força
militar que combatia a pé). Contra essas inovações, a cavalaria feudal pouco
podia fazer.
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